Rede Manchete (também conhecida como TV Manchete ou apenas Manchete)
foi uma rede de televisão brasileira fundada na cidade do Rio de
Janeiro em 5 de junho de 1983 pelo jornalista e empresário ucraniano
naturalizado brasileiro Adolpho Bloch. A emissora permaneceu no ar até
10 de maio de 1999. Fazia parte do Grupo Bloch, que publicava a revista Manchete através da Bloch Editores, sendo que o nome dado para a emissora de televisão refere-se a esta revista.
Prevista inicialmente para entrar no ar entre setembro e novembro de 1982, e depois para março de 1983, em 5 de junho de 1983, um domingo, a
Manchete finalmente entrou no ar com um discurso de Adolpho Bloch, seu
proprietário. Com equipamento sofisticado e buscando uma programação
classe alta, a Manchete ficou conhecida pela sua programação baseada no
forte jornalismo, na cobertura do esporte brasileiro e internacional,
apresentando grandes eventos esportivos. As telenovelas, minisséries e
séries da Manchete também fizeram história na teledramaturgia no Brasil.
Além da programação própria, a TV Manchete é lembrada pelo público por
ter transmitido as produções japonesas do gênero tokusatsu e anime.
Por
outro lado, os caros investimentos na emissora levaram a
sucessivas crises. Em 1985, com dois anos de existência, os prejuízos da
Rede Manchete eram evidentes. A emissora entrava em sua primeira crise
financeira. Bloch, em 1988, quis vender a emissora e pediu US$ 350
milhões. Na década de 1990, o então deputado Paulo Octávio fez uma
proposta para Adolpho Bloch da proposta de compra da TV Manchete por US$
200 milhões de dólares. O sócio de Paulo Octávio era o empresário e
educador João Carlos Di Genio, mas nada se concretizou. A Editora Abril
também mostrou interesse na emissora. Então, a empresa IBF assumiu a
Manchete, mas logo depois teve cassada a sua gestão pela justiça.
Adolpho Bloch recebeu de volta o encargo de uma rede nacional, com os
salários dos funcionários atrasados em seis meses. Pedindo um tempo aos
empregados, ele conseguiu, em quatro meses, normalizar o pagamento da
folha.
Mas o
esforço de caixa continuou repercutindo na programação. Pedro Jack
Kapeller se tornaria presidente da Rede Manchete em 1995 após o
falecimento de seu tio, Adolpho Bloch. A crise da Manchete se aprofundou
após a Copa do Mundo de 1998,
quando seu faturamento caiu 40%. No final de setembro, a emissora
demitiu 540 funcionários e novamente a folha estava atrasada. Em
outubro, cortou a produção de quase todos os seus programas
jornalísticos, abortando, inclusive, a novela Brida. Ela chegou a
ficar fora do ar três vezes, a primeira devido a uma invasão de
funcionários na torre da emissora em São Paulo. A emissora seria vendida
durante um mês para a Igreja Renascer em Cristo em janeiro de 1999,
porém em fevereiro do mesmo ano rompeu com a igreja, alegando o
descumprimento de cláusulas contratuais. Em maio de 1999, Amilcare
Dallevo e Marcelo de Carvalho assumiram as concessões da Manchete,
transferiram a sede para Barueri e o nome da emissora foi mudado para
RedeTV!.
História
No
final dos anos 70, Adolpho Bloch
se interessou pela televisão, o único meio de comunicação onde ainda
não atuava, até então já tinha algumas emissoras de rádio no Rio de
Janeiro. Bloch havia designado um grupo de diretores e funcionários da
Bloch Editores para cuidar do projeto da TV Manchete. O empresário conta
em seu depoimento: Quando
aqui cheguei [de volta ao Brasil após viagem aos Estados Unidos, em
1981], encontrei o projeto da televisão bastante adiantado. Eu não
estava a par de quase nada. Era grato ao presidente Figueiredo, que nos
concedeu os cinco canais depois da necessária licitação pública. Bloch ainda contou que investir em televisão não estava entre suas prioridades: Pessoalmente,
eu preferiria continuar investindo na editora, visitando exposições de
gráficas, de livros, revistas e, com o tempo, concretizando o projeto de
fabricar latas de alumínio, uma novidade no mercado brasileiro. (...)
Relutei comigo mesmo e custou-me a ideia da televisão. Mas quando aderi,
e seguindo o meu temperamento, foi para valer. Em junho de 1981,
meses depois de receber a concessão, Adolpho Bloch foi recebido , em
audiência, pelo Governador de São Paulo Paulo Salim Maluf, mas
classificou sua presença no Palácio dos Bandeirantes como só cortesia. Afirmando que pretendia fazer televisão para intelectuais, mas sem multa complicação.
Concessão
Em
23 de julho de 1980,
o governo federal brasileiro anunciou a abertura da concorrência para
duas novas redes de televisão que surgiram das sete concessões da Rede
Tupi e duas da Rede Excelsior, ambas já extintas. Em março de 1981, o
governo federal anunciou os vencedores da licitação. O presidente João
Figueiredo concedeu as concessões aos grupos de Adolpho Bloch e Silvio
Santos, respectivamente, nos decretos nº 84.842 e nº 85.841, das nove
emissoras cedidas, quatro ficaram com o Grupo Silvio Santos e as cinco
restantes com o Grupo Bloch. Em 19 de agosto de 1981, em Brasília,
Adolpho Bloch e Silvio Santos assinaram os contratos definitivos das
concessões. O SBT
foi lançado nesta data, enquanto o Grupo Bloch decidiu adiar o
lançamento da futura emissora, Rede Manchete, para poder preparar o
projeto da nova rede. Após investir US$ 50 milhões de dólares em
instalações, equipamentos e enlatados e contratar 800 profissionais. O
sobrinho de Adolpho Bloch, Pedro Jack Kapeller seguiu para os Estados
Unidos e Japão, trazendo os equipamentos mais modernos.
Segundo
Conti (1999), Bloch foi escolhido porque a Manchete [revista]
elogiava o governo e porque seu sobrinho, Oscar Siegelman, era amigo do
general Otávio Medeiros, do Serviço Nacional de Informações. Mas quase
não a ganhou por causa da maneira como a revista cobria o Carnaval: Assim
eu não vou dar a televisão para vocês, disse Figueiredo a Oscar
Siegelman. Eu estive vendo a Manchete, é uma vergonha. Só dá bicha e
mulher pelada e vocês vão colocar isso na televisão. O general mudou de
opinião depois que Alexandre Garcia,
seu ex-assessor de imprensa [atualmente na Rede Globo], disse que seria
o diretor do Departamento de Jornalismo da emissora e não permitiria
que cenas de baixo nível fossem ao ar”. (Conti,1999, p.514).
Em
20 de março de 1981, o Sindicato dos Radialistas do Estado de São Paulo
divulgou uma nota oficial lamentando a decisão do Ministério das
Comunicações
em ceder duas concessões aos grupos de Adolpho Bloch e Silvio Santos, o
sindicato afirmando-se "de luto" pela concessão das duas novas redes de
televisão ao Sr. Adolpho Bloch e ao Sr. Silvio Santos. O sindicato
considerou que "foram ganhadoras as duas piores propostas, pois o Sr.
Adolpho Bloch já fala numa rede para exibir filmes enquanto o Sr Sílvio
Santos está preocupado com o seu Baú da Felicidade para a venda de
carnês".
Em relação a Adolpho Bloch, o sindicato se referiu ao empresário que
"o Sr Adolpho Bloch é proprietário de uma não muito promissora editora
de revistas."
As
cinco emissoras conquistadas pelo grupo foram TV Manchete Rio de
Janeiro, Canal 6 (antiga TV Tupi Rio de Janeiro), TV Manchete São Paulo,
Canal 9 (antiga TV Excelsior), TV Manchete Belo Horizonte, Canal 4
(antiga TV Itacolomi), TV Manchete Recife, Canal 6 (antiga TV Rádio
Clube de Pernambuco) e TV Manchete Fortaleza, Canal 2 (antiga TV Ceará).
A Manchete teve a TV Pampa, de Porto Alegre, como sua primeira afiliada
no Brasil.
Cento
e vinte dias depois de ganhar a concorrência para os canais, em
janeiro de 1982, a nova rede já tinha encomendado cerca de 35 milhões
de dólares em equipamentos (americanos japoneses e ingleses), mais da
metade do orçamento total estimado em 50 milhões de dólares. Todas as
instalações físicas da emissora estavam prontas à espera dos
equipamentos. Enquanto isso, o arquiteto Oscar Niemeyer trabalhava no
projeto do centro de produção nacional que funcionaria no terreno de 100
mil metros quadrados, na Barra da Tijuca. A previsão, até então, era
que a Manchete entraria no ar entre setembro e novembro de 1982. Em
relação a futura programação, era dito que seria dirigida a um
público inteligente que assiste ou não à televisão ("classe A e B") e
que, com certeza, estará voltada para temas brasileiros, dentro de um
padrão que mais se aproxima do europeu. "Mais sério, menos apelativo e
menos eletrônico". A direção explicou: em televisão tudo é muito veloz. O que se planeja muda muito rápido. Quem sabe se até lá a TVS não será a campeã de audiência?. E adianta: a Rede Manchete de Televisão será alegre, extrovertida, jovial, mas também séria e o menos eletrônica possível. Novamente, a estreia foi adiada para março de 1983: A
gente não tem pressa: o Adolfo Bloch quer fazer tudo direito, como
manda o figurino. Sem dúvida vai ser a TV mais moderna do mundo porque,
além dos equipamentos ultrassofisticados, vai ser a primeira rede que já
começa com tudo pronto, afirmava Rubens Furtado, o diretor-geral da
TV Manchete. Finalmente, em maio de 1983, foi anunciado que em quinze
dias, em 5 de
junho de 1983 às 19h, a Manchete iria iniciar suas transmissões em
quatro estados que iriam receber a imagem da TV Manchete: Minas Gerais,
Rio de Janeiro, São Paulo e Rio Grande do Sul, em Porto Alegre a
transmissão será através da TV Pampa, a primeira filiada. A expectativa
em torno da inauguração foi crescendo desde o primeiro
sinal da emissora às 15h27mín do dia 13 de maio, uma sexta-feira.
Inauguração
Quase
dois anos depois das concessões, a Rede Manchete foi ao ar pontualmente
às 19h em um domingo, 5 de junho de 1983,
Logo na estreia, a Rede Manchete chegou com grandes inovações. Foi
colocada no ar uma contagem regressiva futurística de 8 segundos para um
informe da Petrobras
anunciando o lubrificante Lubrax e dando boas-vindas a nova emissora
brasileira. Seguiu um discurso no ar de Adolpho Bloch no cenário do
jornalismo da emissora. Em seguida, foi colocada no ar vinheta da
emissora, onde a letra "M" estilizada voa em vários locais do Brasil e
pousa na sede da emissora no Rio. Essa vinheta anunciou a entrada no ar
da rede e da primeira afiliada: a TV Pampa de Porto Alegre, que contava
com várias "emissoras gêmeas" no interior do estado do Rio Grande do
Sul.
Nos
primeiros minutos da emissora, Adolpho Bloch fez um depoimento,
primeiramente, sem som (devido a uma falha). Logo depois, o recomeço da
gravação, tudo correu normalmente. E depois continuou: Meus
amigos, hoje é um dia importante para a Família Manchete. Como você
sabe, a nossa riqueza é o trabalho e o otimismo. Para nós, a televisão
foi um desafio. Estamos felizes em continuar contribuindo para a
construção de um Brasil grande. O presidente João Figueiredo
confiou em nossa imprensa. Para nós, a televisão representa
responsabilidade. Estamos produzindo uma programação de alto nível. É um
dever mencionar o pioneiro Assis Chateaubriand, um homem de grande
visão. Apresento minhas saudações à TV Educativa, à TV Cultura, à TV
Bandeirantes, à TV Gazeta, à TV Sílvio Santos (referindo-se à TVS, atual
SBT), à TV Record, às Emissoras Independentes (referindo se a antiga
Rede Record com o antigo SBT, atual Record) e à Rede Globo de Televisão.
Meus agradecimentos ao Dr. Roberto Marinho. Nossa amizade já passa de
meio século. Deixo com vocês, meus amigos, a Rede Manchete de Televisão.
Ela está no ar..
Em seguida, foi ao ar uma marcante vinheta, um clipe onde uma nave,
representada pelo "M" (logotipo da emissora), sobrevoava as principais
cidades brasileiras e aterrissava no alto do prédio da emissora, o
Edifício Manchete, projetado pelo arquiteto Oscar Niemeyer, a
cabeça-de-rede da emissora ficava na Rua do Russel, na Glória, no Rio de
Janeiro.
A mesma vinheta permaneceu no ar do primeiro ao último dia da emissora,
sendo considerada uma das mais longínquas da televisão.
Em seguida, foi apresentado a fala do Presidente João Figueiredo: Adolpho Bloch tem mais anos de Brasil que a maioria de nós.
O primeiro programa a ser exibido foi um show de três horas de duração denominado O Mundo Mágico,
dirigido por Nelson Pereira dos Santos, contando com a participação de
diversos conjuntos musicais e artistas,
com várias atrações, dentre elas o recente grupo musical Roupa Nova, a
banda Blitz, Milton Nascimento, Paulinho da Viola, Ney Matogrosso, Dona
Ivone Lara, Watusi, Zizi Possi, Arthur Moreira Lima, Alceu Valença e
Elba Ramalho. Além de apresentações de dança, como o balé com Fernando
Bujones e Ana Maria Botafogo e tango com Cláudio Tovar e Lucinha Lins.
As três horas de quadros musicais foram entremeados de pequenos
depoimentos e algumas breves reportagens sobre o império Bloch. A atração atrapalhou a Rede Globo, principalmente no Rio de Janeiro. Enquanto o Fantástico
alcançou 35 pontos, o show da Manchete chegou perto, com 33, uma proeza
para uma estreia. que foi transmitido ao vivo. A audiência chegou a
incomodar o Fantástico, exibido pela Rede Globo. Depois do show, a Rede Manchete colocava no ar o primeiro filme exibido em sua história: Contatos Imediatos do Terceiro Grau,
de Steven Spielberg, até então inédito na televisão brasileira. A
Manchete gastou US$ 800 mil dólares para adquirir os direitos de
exibição do longa-metragem, que foi dividido em 15 partes e durou três
horas e 20 minutos, que venceu a Globo por 27 a 12 na capital carioca. A
Globo saiu vencedora absoluta nos outros horários, mas perdeu, com a
entrada da Manchete, na faixa das 19h às 22h, cerca de 18 pontos (1
milhão de pessoas) não só durante Os Trapalhões como ainda durante o Fantástico. Interessante registrar como a expectativa era grande quanto à chegada
da Manchete. Antes mesmo do horário previsto para a estreia, muitos
telespectadores já ligavam seus televisores no canal 6. Por isso, às
18h30min de domingo, um público de 425 mil cariocas (7,3%) esperavam,
com certeza ansiosos, o nascimento televisivo do ano.
Segundo
funcionários da Manchete, a publicidade vendida na programação da
estreia alcançou a cifra de Cr$
900 milhões; o número não foi divulgado oficialmente mas um dos
diretores da Rede, Moisés Weltman, declarou que esta quantia representa o
maior volume de vendas já registrado em um só dia por uma rede de
televisão, no Brasil. Várias marcas patrocinaram o show de inauguração
como: Petrobrás, Shell, Atlantic, Nestlé, Omo, Gigante Branco, Philips,
Walita, Maggi, Gillette, General Motors, Supergasbras, Gradiente,
Ariola, Consul, Minerva, Odyssey, Ponto Frio, Brastemp, Sul América,
Souza Cruz, Volkswagen, Johnson & Johnson, Doriana e muitos outras. A
inauguração oficial da Manchete foi saudada com recepção para 300
convidados no 10º andar do edifício da Bloch Editores, entre os quais
estavam o Governador do Rio de Janeiro Leonel Brizola, o Presidente do
Banco Central do Brasil, Carlos Geraldo Langoni, o ex-diretor da Cacex,
Benedito Moreira, a Diretora Presidente do Jornal do Brasil, Condessa Pereira Carneiro, o cientista Albert Sabin, entre outros. A imprensa também destacou a inauguração com elogios, o Jornal do Brasil declarou: A
TV Manchete iniciou ontem seus trabalhos sob o signo da inovação. Pela
primeira vez na história da TV mundial, uma emissora se lança no ar
abrindo a sua programação com um anúncio. Só depois é que deu boa-noite.
Na segunda depois da inauguração, o jornalismo da emissora nascia com o Jornal da Manchete,
até então o noticiário no horário nobre mais longo da televisão
brasileira, com uma hora e meia de duração. A ênfase a esse noticiário é
uma das provas apresentadas pelo diretor
Zevi Ghivelder, de que a Manchete seria uma emissora que apostaria na
segmentação da audiência, voltada para as classes A e B, assim como
Sílvio Santos apostou nas classes C e D e a Globo prefere atingir todo o
espectro do público. A rede mantém na época o que denominava
programação de alto nível, com documentários, jornalismo e programas de
entrevistas. À Folha de S. Paulo
de 5 de junho de 1983, Rubens Furtado explicou: "A TVS se dirige ao
público C e D; a Bandeirantes não tem público definido, enquanto a Globo
pretende ser eclética. Pesquisas nos mostraram a insatisfação dos
segmentos A e B com a programação que lhes é oferecida atualmente.
Então, decidimos optar por esse público. Além disso, os Bloch têm a
tradição de ter, em sua empresa, iniciativas de alto nível". Os
concorrentes não acreditavam na proposta da emissora, como destacou à Folha
o então vice-presidente do SBT, Luciano Callegari: "Quando entramos,
também imaginamos um segundo lugar. Ninguém entra para perder. Porém,
acho que se a Manchete quiser sobreviver, a curto prazo terá de optar
por uma programação semelhante à nossa e a da Globo, procurando classes
mais populares. Como já ficou provado, aqueles que optaram por públicos
mais sofisticados tiveram problemas graves, como a Bandeirantes, por
exemplo".